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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Na parede

Ela me olhava do alto, mesmo sabendo que seu lugar era embaixo.Longe de tudo,
vida noturna. Ela não podia estar ali, me olhando ou somente captando minha
presença, coisa que eu não poderia definir ou dizer com maiores detalhes,
apenas com a insegurança do que eu sempre achava.
Disse que meu medo não poderia nunca ser maior que eu, mas eu sentia
medo dela, mesmo de longe, eu via tudo e eu sabia, por mais vago que fosse,
que algo estava acontecendo naquele lugar.
Era sempre assim, quando eu menos esperava, ali estava ela. Parada, ou correndo
com o mesmo medo de mim, sentiamos a mesma coisa, e mal sabiamos
o quanto eramos perigosas uma para a outra. Ilusão. Eu poderia destrui-la
com veneno mas eu tentava me convencer que sua presença era inexistente,
acessório do chão ou um defeito de visão. Essa mancha que surgia, quando
meu quarto não podia mais conter tanta agonia, espaço pequeno demais pra
ficar triste. Por isso eu saia, queria expandir minha tristeza por aí, ou qualquer
sentimento que fosse. Abria a geladeira, nada pra saciar a sede. É sempre assim,
nada cura, nada mata, a sede ou o que seja. O mundo só tende a nos deixar com
a sensação do incompleto. Durante todas essas madrugadas foi assim,
o sono não vem, mas ela, ela sim consegue ficar acordada sem peso.
Ela foi leve pra subir, leve pra cair em mim, me dar um susto, me encher
de raiva e com a mesma facilidade de criar toda essa situação: partir.
Sem deixar rastros de caramujo, sem dizer, sem poder fazer nada tão brusco
a ponto de quebrar suas pequenas asas marrons. Vai embora, some. Antes
que me mate de susto ou antes que eu morra de fome, pois daqui desse quarto
neste instante, não saio mais. Mas abro a janela, pra poder escorrer um pouco de mim pro
quintal, esse quintal que encosta no céu, aqui no horizonte do meu olhar. Se eu
acreditar mais um pouco, eu o toco. Puxo esse véu. Me enfeito de estrelas e
me escondo dela. Inseto maldito que voa. Enquanto isso eu que não posso,
finjo que o poste é lua e que a rua é o céu. Então em cima dele, sentindo
o pulsar do mundo subterraneo, eu deito na rua e espero eles me alcançarem...

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

F O M E

Luz vaga. Sumiu a fome, não tinha mais nome, totalmente sem identidade,
não fazia mais diferença, tal doença consumiu. Sumiu. No mundo jamais
havia existido, era uma lembrança rara mas também insignificante.
Ela não tinha cor e desse tal amor, o que havia era tudo que ela
representava, todo cenário onde ela atuava e todas roupas que ela
vestia assumindo papéis coloridos de abril.
Eu ri, diante de tal confissão, coisa que eu já sabia, mal entendia e
buscava, incessantemente, a cada cortina aberta uma descoberta,
uma pessoa coberta com plumas de mentiras. Eu também senti
a necessidade de dizer, que por mais que você tente, e não
sendo vidente, haverá uma razão iminente pra que você
não siga e retorne, no ninho, no meio dos lençois de múltiplos
segredos.
Não há culpa, nem flecha pra acertar uma maçã, no alto da testa,
da cabeça, bem onde o pensamento consegue ser físico e é atingido
e furado, onde se abre uma fenda e todo sentimento escapa,
caindo na terra pra brotar em algum outro lugar, num
futuro incerto. Apesar que o calor é certo, e aquela flor bonita
que nasce, não tem nome também. Mas dessa vez a desarmonia
irá confundir seus ouvidos, como sempre, nunca saberá onde
chegar, a não ser que algo bom seja concedido, uma corda,
uma escada, depende do que você precisar.
Pois é, vimos águias serem arremeçadas contra o chão morno
da chuva matinal, vimos fumaça surgir quando queimaram
uma floricultura que vendia borboletas em aquários de sol,
mas eu não pude ver um sorriso de céu azul enquanto acordava
e tinha que caminhar sozinha, durante longos kilometros, até
encontrar água, que não era veneno, e descansar na sombra
de algum inseto gigante daquele mundo estranho.
Cochilo. Esquilos, não atraz de nozes, mas de algo que eles
pudessem usar pra se aquecer, sozinhos. Não tinham pra onde correr
e assim, senti que algo caiu em mim, um esquilo morto.Torto,
olhos arregalados, com o estomago aberto e um recado escrito
com tinha óleo: Fome.
Não entendi bem, fome do quê?! De tantos os tipos, notei
que eu era nada mais que uma faminta. Tantos tipos
incompletos, joguei o esquilo de lado, pois eu nada podia fazer
a não ser observa-lo com tristeza e nojo de seu sangue
que ainda jorrava do frágil torax dilacerado.
Saciar a fome, buscar um nome, queria ser e achar
dentro do pote de mel algo que por mais que não
fosse comestível, desse a solução, pra uma das fomes,
que ficava em uma das prateleiras, na sessão 79,
provavelmente dificil de alcançar, mas nunca
impossível de matar. Sim, a chave. Estaria no pote,
e depois de lá, teria que encontrar o tão
procurado quarto das prateleiras. Depois disso,
sentiu uma brisa leve, que sussarava: siga o esquilo.
O rastro de sangue, abriu caminho por entre a vegetação
e lá se foi ela achar a solução.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Carnaval

Nada que faça diferença, esperar por mais alguns segundos pode destruir
tanto quanto a certeza de algo que não existe.
Essa dúvida é a prova crucial de que você é intocável, mas ficar brava não
resolve nada. É toda essa repulsão que me coloca no ponto mais alto da
montanha, daqui eu posso te observar e você sabe que não pode fugir.
As coisas às vezes parecem um pouco tristes e isso pode nos deixar
loucos, não ao mesmo tempo pois desde quando nos conhecemos
não somos nem um pouco ordenados, nossos compassos diferentes
preenchem vazios existem nos espaços dos nossos mundos imaginários
e por isso, exatamente por isso, combinamos.
Violada pela esperança de ser, de poder ou de crer em algo que a há
muitos dias se cria, se transforma e se idolatra em minha mente?
Díficil buscar respostas em tais horários, pois se perdem na noite acelerada, as
estrelas são cadentes e meus passos persistem em acreditar que o caminho
não muda. Nunca! Mas muda, e eu não sinto esse gosto amargo porque
meu sonho é muito maior que a ausência, que o ocupado que apita
e anula a minha audição. Mas não, eu continuo a persistir, mesmo quando
a pedra cai nas minhas costas e amassa minhas costelas, eu posso
continuar enquanto eu souber que você existe aí, eu existindo aqui
é quase a mesma coisa, sabemos, não é mesmo?!
Agora só me falta ver o silêncio...

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Grisalha

Com o céu assim as pessoas ficam até meio bobas, sem reação. Ao abrir a janela, ou não,
álias, melhor: ao espiar pela fresta da janela, onde a madeira já estava apodrecida e frouxa
de tão velha, ela se deparou mais uma vez com seu quintal triste.
A manhã não seria de tudo diferente, talvez enchesse as pêras colhidas de tédio
durante a tarde mas tudo bem, era exatamente assim que ao final do dia ela
suspiraria e agradeceria, até mesmo pelo que a entristecia um pouquinho.
Estava tudo meio programado, e a luz que entrava em sua casa ela já sabia
de cor onde bateria e em qual segundo do dia. Era tudo tão seu, assim como seu corpo
ao vento, ao relento, na chuva daquele quintal triste.
Todas as coisas interagindo de forma sutil. É aqui, exatamente aqui e para todo sempre.
Enfim ela se levantou, se postou diante das flores não aguadas, esquecidas durante uma noite
que passou se atormentando com qualquer coisa que lhe parecesse medonha, isso era resultado
de um filme de terror que a fez pensar mal até dos feijões verdes que estavam numa sacola amarela pálida.
Não adianta muito mas aguou com seu copo de água, que ficava do lado da camam, todos
os dias. Deixou sobrar um pouco para que pudesse umedecer a boca seca, sentou no peitoril
e se contentou com o sol pelo resto das três horas seguintes...
Mente vazia e corpo leve. Era assim que ela iria embora, mais uma vez!

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Telefone.


As vezes não dá pra compor algo bonito no desespero. E o fato foi que eu não tirei
os olhos da janela, a porta pra sua vinda, a fuga da minha noite. Tudo que eu esperava
em delírio constante de encontrar aquelas horas voluptosas.
Diante da impossibilidade, do conflito e impedimento constante meu sono foi roubado,
e o calor da noite triste me invadiu por completo e queimou toda esperança de ter
mais uma lembrança inusitada.
Infelizmente foi assim, eu estava na torre, cercada por espinhos enquanto você
em sua urgência de me ver não se importava com os ponteiros aflitos e me procurava
incessantemente.
Eu tentei,minha vontade era sair correndo, mas como? Nem sempre essa seria a solução,
então eu definhava, queria saber o que seria dito, queria sentir as palavras mornas
sendo refletidas em mim, mas querer foi pouco, eu não desafiei. Não fui além e por
isso perdi um pouco de mim e dessa vez não foi em você, foi ao vento. Minhas cinzas
cálidas, cálidas e eu calada, silêncio que me encomoda enquanto eu sei que você pensava
a mesma coisa.
Da torre eu via um mundo gris, eu própria perdi minha cor. O monstro da minha noite
eu ilustro como uma águia, desenhei em guache pois essa águia tinha cores pálidas,
de tristeza e descontentamento. Sinto que foi a maneira de nos igualarmos, me tornar
imensamente infeliz seria a solução pro seu sono sem graça e sem sentido.
Estava tudo certo, só minha posição no mapa estava errada, sim, eu não dormi,
mas não era em meu quarto que meu corpo estava destinado a se encontrar,
eu jazia nos lençois vermelhos, eu era um oceano. Eu batia fortemente contra a barreira
imposta, eu tinha que invadir a cidade, passar pelas ruas, devastar tudo o que estivesse
em meu caminho simplesmente porque me impediram de fluir. Mas não, eu me contentei,
antes que a águia me arrancasse os olhos, os sentidos.
Da torre eu observada o mundo inerte, sem graça, sem movimento. Não havia som,
e nesse instante a lua desapareceu pois não havia mais sentido pra permanecer...