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domingo, 16 de janeiro de 2011

A dupla vida das azeitonas.

Aquela noite seria difícil escrever, dessa vez algo não viria dominar seus dedos e fazer poesia em plena meia-noite, mas talvez isso fosse um bom sinal, finalmente escreveria sozinha, sem a interferência dos quinze indivíduos que transitavam em sua mente, ora sim, ora sempre. Mal podia ficar quieta, sem que num súbito minuto sentisse um terremoto dentro de si, afinal, logicamente a colisão de 15 seres inanimados em guerra não poderia acarretar outra coisa a não ser isso: um desastre. As linhas, bem como as veias, deveriam possuir longos espaços a fim de permitir que comentários como: eu tenho liberdade, pudessem ser feitos sem nenhuma acusação ou moralismo da parte sanguínea, que obviamente também queria garantir seu espaço num corpo tão habitado. Foi dessa maneira que sem aviso e também sem alguma expectativa Ahma recebeu uma carta, endereçada a ninguém menos que um de seus habitantes, jamais conseguiria traduzir aquele idioma estranho, e sei lá qual deles exatamente estava sendo convocado para nada mais nada menos que uma entrevista de emprego numa empresa tão misteriosa quanto aquele idioma da carta. O que chamou a atenção foi que, mesmo sem nunca ter visto aquelas letras, ela simplesmente sabia o que estava sendo dito, num minuto olhou para a carta e já não compreendia mais nada, a não ser aquilo que moscas invisíveis já haviam pregado em lugares ocultos de sua consciência.
Deixou a carta em cima da mesa central da sala, repousou sobre o sofá e contemplou o dia de chuva, não sabia exatamente onde deveria ir, embora tivesse consciência da importância do mesmo, mal pode ficar em silêncio e aproveitar o que esse momento trazia do ouro de Midas que as quinze criaturas já começaram a entrar em crise, não, jamais suportariam a imobilidade, e quer saber, nem ela. Cai a noite e então correm as horas, aflitas para cumprir seu itinerário infinito e imposto por alguém, sim, esse alguém que inventou isso de horas, preocupação e falta de vida.
O sol foi colocado no céu, mas dessa vez por vespas gigantes e, claro, invisíveis, Ahma acorda, bem como seus 15 habitantes e dentre eles o escolhido para a entrevista, o grande dia e todas outras palavras que compõe o sentido de algo que, sinceramente, não deve ser nem pronunciado.
Como já havia sido declarado e lido em voz alta por um dos 15 habitantes, o lugar da tal empresa tampouco era conhecido por Ahma, então, ela teve de ser levada não pelo instinto, intuição, mas sim pelas criaturas que não suportavam o silêncio, mas que ironicamente sabiam chegar a rua com o mesmo nome de seu tormento: Silêncio, e sabiam muitíssimo bem.
Quem a via na rua a chamaria de louca, andava como se alguém a tivesse levando pela mão, depressa, correndo, tropeçando, derrubando tudo que poderia vestir uma placa escrita: empecilho ou até mesmo absurdo, o estranho para as pessoas ditas como normais é ver esta cena sem que houvesse alguém realmente a levando, alguém, digamos assim, visível, sem que um pano tivesse que ser jogado por cima para que se provasse: Olha, existe algo aí, e não é exatamente porquê você não vê que, bem, você já pode completar essa linha de pensamento sozinho.
E assim Ahma foi, guiada pelas ruas, ladeiras, florestas, vales, jardins, e para que tudo fique mais harmonioso, imagine um dia bem ensolarado, a garota num vestido florido e fresco, e claro, o vento, o representante oficial do movimento, e tudo que essas 15 criaturas prezavam como seu próprio deus.
Ahma andou tanto, que quando tomou consciência, algo que era bem difícil de acontecer quando tais criaturas tomavam posse de seus movimentos, enfim, quando tal consciência veio como o vento mais fresco de todos, ela mal podia se agüentar de pé, e num segundo desmaiou, no alto de uma montanha, onde nada mais poderia ser visto além do contraste infinito de verde e azul, sinceramente, essa deveria ser a cor do infinito, e nada mais existia no mundo. Seus olhos mal acreditavam, mas no meio de tudo, antes do escuro engolir sua visão cansada, ela viu uma flor, mas era uma flor de azeitona e fim, não havia criatura que pudesse acordá-la agora.



Obs: E vai saber se há um fim, mas juro não era pra acabar assim.