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segunda-feira, 19 de julho de 2010

O vislumbre do nada

Antes de ler este texto feche os olhos, vislumbre um local inteiramente branco, embora não se possa enxergar nada nesse cenário além da imensa fila de humanos, um tinteiro, uma pena e um pergaminho se pode ouvir nitidamente o barulho do mar. Nossa personagem Mathilde está prestes a assinar sua morte, dentro de instantes ela deixará tudo que representa fisicamente e todas suas memórias, porém um fato a faz escrever nas entrelinhas do seu fim. Algo para ficar para sempre registrado, por mais que ela não possa mais ser encontrada no infinito.


Não vejo motivo aparente para desconsiderar meu óbito, estou aqui prestes a assinar o contrato que anula minha existência e não vejo um porque para desistir.
Antes disso traço uma breve história nas entrelinhas deste pergaminho malicioso, e vejo o último vestígio que tive de mim antes de me encontrar em tal situação, vou descrever e ser bem breve, afinal tem uma fila pendente de corpos prestes a se despirem de suas vidas, bem atrás de mim:
Era uma noite em que se caíram varias estrelas, por causa disso meu sorriso se iluminou seguidas vezes, diante dos abraços e beijos miraculosos que causavam singelas sensações de taquicardia dentro do meu frágil peito, nada parecia acabar e suas mãos gelavam como a morte que sinto roçar em meu pescoço agora, talvez por isso eu a queira tanto, pois ela me lembra teu toque naquela noite serena de brilho imperial. Tanto foi prometido, e tão nada cumprido, não tivemos tempo e eu não tive vida para tanto comprometimento, me fui antes que você pudesse decidir por qual caminho seguiríamos.
Me deixaste em casa e acreditaste que assim eu estava segura dentro desta concha submersa, neste planeta que eu criei, inventei pelo meu e egoísta bem, embora, possa ter certeza, isso nunca me levou muito longe, a não ser dentro dos perímetros do seu lar, docíssimo e caramelado lar.
Pois bem, mal acreditei que minha alma por si só já vivia ausente de mim, descontrolada sozinha ia para onde bem entendia, e eu? Essa é uma excelente pergunta e nesse instante que me desespero, te conto.
Penso que durmo, penso que faço zilhões de coisas e na verdade, onde estou? Afinal, não sei. Cá estava eu, assim, dormindo, tranqüila. Eis que num tempo desconhecido pelos ponteiros e todos relógios estilhaçados, este corpo que em poucos segundos se abandona, se levanta.
Sim, lá estava eu, andando pra lá e para cá. Mal pude acreditar que eu, alma, estava de lado, a pura essência ignorada e humilhada por ossos e músculos que iam se decompor em menos de um mês. Tudo bem, o que fazer quando já não se tem controle nem pra gritar: Pare, o que você esta fazendo? Vai acordar todos dessa casa!
Mas não. Continuou ali, procurando sabe lá o que, mas tudo bem, no final das contas esse corpo pelo qual eu de forma alguma quero me responsabilizar e que é conhecido por meu nome neste mundo, conseguiu acordar sua jóia mais preciosa, uns minutos mais tarde consegui tomar o controle da situação e envergonhadíssima comecei a pensar nas desculpas mais plausíveis pro acontecimento. Foi único, eu alma fugi do eu corpo poucas vezes, mas essa sem dúvida foi uma das mais memoráveis e engraçadas que eu fiz questão de relembrar e escrever aqui, no cantinho dessa folha que decreta meu fim, sei lá como, sei lá qual. A verdade é que nunca soube muitas coisas na vida, dessas que se fazem a total diferença, mas eu estive certas nos momentos mais importantes, como agora. Olho para traz e vislumbro todos que partirão comigo, somos donos nos nossos próprios barcos, sem nenhuma tripulação, perdidos num instante sem nome ou melhor, finalmente encontrados dentro dum universo muito maior e significante, dentro de nós mesmos.
Ri sozinha na fila, e diante de mim tinha um espelho, me lembrei de como era bom sorrir, e pensar que daqui uns segundos eu já não seria dona desses lábios e dentes.
Aliás, daqui um segundo todos desta fila poderiam ficar amontoados, uma transparência sobrepondo a outra e nada, exatamente nada apareceria diante de nós, não seriamos mais algo que pode-se ver e sim o que iríamos transmitir dali pra frente, em algum lugar, algum mar(...)

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