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segunda-feira, 19 de abril de 2010

Conflitos internos onde não há interior

Não me lembro ao certo do que imaginei ao ser engolida pelos lençóis de minha cama, a luz já estava apagada e então milhões de pensamentos me tumultuaram a mente, que aflita permitiu que todos se organizassem da maneira que julgassem conveniente.
Era a história de uma menina, a nomeie como quiser, certamente algumas pessoas possuem uma face parecida com a dela, ou não, mas hoje eu a chamo de Alena:
Alena corria desesperadamente em busca de algo que não se via, apenas se sentia ou se percebia palidamente nas dobras das páginas do dia-a-dia: seu sonho. Me lembro nitidamente de te-la visto sendo empurrada pelo seu sonho mais bonito, sem imaginar qual seria a explicação ou motivo, eis que ela caiu num abismo tão fundo, sem nem ao menos ter a chance de pensar: Que bom que nos encontramos! Antes tivesse apenas quebrado as costelas, ou morrido de forma que preservasse todo seu 'eu' dentro de si, porém caiu bem em cima de uma estalagmite que perfurou de fora a fora seu coração, logo seu sangue fluia incessantemente
pelo chão, ele que continha tanta vida e agora estava ali deslocado num território que não era seu, aquele chão frio e sujo. Agora ela estava livre do cárcere do corpo, verdadeiramente ela, sem dúvidas, sem face,
sem cor e sem limitações. Olhou para seu corpo, o definia como uma capa velha e apertada, da qual a muito tempo precisava se livrar, ele possuia cores tão bonitas, mas cores que não foram capazes nem por um segundo de garantir a felicidade do seu ser. Alena sempre acreditou que seu sangue era áspero e cinza, ao contrário do que via agora, vermelho e aveludado. Para ser tão infeliz, só podia correr algo igualmente triste pelas suas veias, mas não. Essa é a prova real de que as cores não dizem nada, não traduzem uma palavra se quer de nossos sentimentos e só servem para auxiliar o trabalho leviano do puro fingimento. Ela também acreditava que mais cedo ou mais tarde o que pulsava e a supostamente garantia vida, ia matá-la, aquele líquido áspero logo ia rasgar suas veias e apodrecer no limiar dos músculos com a pele. Tudo isso seria causado pelo único fato explicável: Sua alma se debatia violentamente por sua liberdade.
Alena observava seu corpo com atenção, sentindo imensa mágoa. De qualquer forma precisava fugir antes que seu sonho, agora pesadelo, a encontrasse. Por isso deslizou agilmente por entre as fendas do fundo do abismo, deixando para trás o que durante vinte e cinco anos chamou de "eu".
Era difícil tentar entender o que estava acontecendo, agora não havia uma estrutura para qual olhar,
estava ansiosa para encontrar um lago, um espelho, algo que permitisse com que visse seu reflexo, mas reflexo do que?! Aquela estrutura conhecida por todos já não existia, nem braços nem pernas sustentavam seu ser, ela estava invisível para o mundo dos mortais. Se sentia desprotegida. Enquanto andava pelas frestas pensava em assuntos como a felicidade, pronto, agora estava privada de um corpo mortal, estava livre e ao mesmo tempo aprisionada pelo medo de ser encontrava pelo seu pesadelo. O que ele faria?! Olhou para o alto e viu uma parte elevada, lá em cima havia uma pedra, imediatamente se lembrou de Sísifo. Quem sabe a contradição impere, se o seu sonho virou pesadelo, quem sabe aconteça o contrário agora, ou talvez a aplique um castigo eterno, como aquele recebido por Sísifo. Mas castigo pelo que?! Infelizmente não apreendeu as memórias do seu ,até alguns minutos atrás, corpo. Logo não sabia o que havia errado, pelo menos estava livre de qualquer lembrança anterior a isso tudo. A única coisa que lembrava era de sua queda, justo a pior lembrança, a do fim. Queria voar e qual seria a graça disso já que não tinha rosto para sentir o vento?! Era um nada pensante, um protesto mudo, uma essência sem sentido, não havia definição. Ficou parada. Alena fez o caminho de volta, não havia pra onde seguir, voltou pra perto da estalagmite, permaneceu ao lado de seu corpo onde havia uma tênue esperança de recuperar algumas lembranças, estava aflita por não ter sobre o que pensar. Observou a luz que emergia
do céu, tão distante. Sentiu a presença de algo, era seu pesadelo, ele estava exatamente do seu lado. Ela só podia senti-lo, se sentia observada por olhos invisíveis mas ele era tão real quanto ela, tão parte dela como qualquer outra coisa. Seu pesadelo também pensava:
Porém não havia o que fazer para causar qualquer mal em Alena, nada fazia sentido e a ausência de um corpo e até mesmo de um propósito, anulava qualquer possibilidade de atitude.
Todos se sentiam loucos, todas faces que Alena guardava. Seu pesadelo bem como seu sonho, era só mais um inquilino de seu corpo humano. Admita Alena, você já estava fragmentada antes de ser empurrada, não é mesmo? Se dividiu em sonhos, pesadelos, histórias e frases, espalhou seu conceito de liberdade nas paredes e em tudo o que pode exteriorizar, só não conseguia exteriorizar o principal, você mesma. Admita que era esse seu sonho e não seu pesadelo,não o faça se passar por mal diante dos olhos alheios, e admita também que o medo de encontra-lo te fez transforma-lo em algo temido. Alena consentiu, levitou até a parte superior do abismo, onde pode passear pela floresta. Traçou um caminho longo, tomou fôlego e se perguntou se ainda podia respirar: Respiro diante da eternidade e inspiro a cada passo partes do mistério que é existir no desconhecido.

Um comentário:

  1. Existir no desconhecido, sei mais o menos do que se trata.
    Gosto do que escreve; gosto quando é quase que por encomenda, nosso pensamentos viajam iguais. Escreva mais, Pê!
    Um beijo

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